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quarta-feira, 2 de março de 2011

MEU NOME É LUCAS

O sol está de matar esta tarde. O dia normal, com crianças brincando na rua de asfalto quente, com portões nas calçadas e mangueiras nas mãos dos donos, tentando diminuir o que sentiam. Eu estou em meu carro. Ele não chama atenção, pois estacionei perto de outros velhos, e como não é deste ano, ele passa sem que ninguém o perceba. Todos estão com um foco. As crianças correndo atrás da bola, os adolescentes soltando pipas nas lajes, as donas-de-casa velhas e de barrigas de fora, como se fossem garotas, molhando as calçadas e o meu foco, parado na esquina. Sentado numa cadeira de plástico, o maior predador deste local. Não é velho, mas a fama dos atos que cometeram e que comete vai longe. Quem o olha agora pode se arrepiar pelo que carrega, e não estou falando dos cordões, pulseiras ou das armas em seu corpo, as quais nem mesmo sei manejar, granadas, rádio de longo alcance, entre outras coisas; mas do sangue que leva em suas mãos. Ele dá a ordem para matar, ele mata. Mas, neste momento, ele está entre os que o respeitam. Dá um dinheiro para um moleque que se aproxima, joga beijo para as meninas que passam em grupo e que respondem com sorrisos denunciáveis. Ele está em seu habitat. Nada mais difícil para um caçador que busca uma presa em seu habitat natural, mas ao mesmo tempo gratificante.
Não sou deste lugar. Não deste específico, não moro nesta favela, mas morei em outra, e conheço bem os passos básicos de um traficante. Quase não tem vida social ativa que preste, o que dificulta para ser pego. Mas o que é bom nestes casos é que são 100% previsíveis com seus horários. E isto já descobri há algumas semanas observando o predador.
Ele não foi o primeiro que escolhi, e nem será o ultimo, pelo menos até eu ser pego. Descobri o seu nome quando estava em outra caçada. Estava seguindo um cara conhecido como Cabeça, atrás da Leopoldina, onde funciona um dos maiores prostíbulos do Rio de Janeiro. Eu estava na sua cola há duas semanas, e estava escorregadio, pois ao contrário do de agora, este podia sair do seu habitat, o que o tornava mais interessante, digamos assim. Adorava mulheres, mas não as das favelas; meninas novas, mas as dos inferninhos. Mulheres com experiências e da cor e corpo que desejasse, como carnes à mostra em um mercado. Esta sensação parecia ser mais excitante para ele que o próprio ato. Ele era um doente. Não era por isso que o seguia, mas pelo que fazia em sua maior parte do tempo. Cabeça era o chefe do tráfico de um morro, e muito conhecido pelo lugar. Moradores iam até ele para pedir favores, ajuda financeira e tudo que pudesse desejar. Ele atendia, era como um santo com seus fiéis. Eu pude ver certa vez como ele os tratavam. Realmente era uma ação quase que da Cruz Vermelha ou da ONU. E mesmo assim o escolhi para caçar.
Não sou um assassino. Não me definiria perfeitamente. Nem sou um justiceiro. Não me importo com as outras pessoas, apenas faço o que tenho que fazer. E mesmo parecendo ser completamente errado o que fiz, posso garantir que não foi. O sujeito dava uma de santo durante o dia, mas à noite, com seus comparsas, era conhecido pela brutalidade com que matava seus inimigos e desconhecidos também. A diferença básica de se morar num local dominado pelo tráfico é que há um sentimento muito grande de comunidade perante eles. Quem é de dentro, se não vacilar, é bem tratado, mas os de fora, bem, são sempre estranhos. Isso era no meu tempo, agora não se tem mais essa não. Por trás de qualquer obra beneficente que um traficante faz, há uma razão da qual quase nenhum morador sabe. Os brinquedos montados aos domingos nas entradas das favelas não são para as crianças se divertirem, e sim para barrar a entrada da polícia. Os bailes não são para dançar, e sim uma forma de divulgação de mais drogas e de exposição do poderio bélico. E isso, o santo Cabeça, fazia muito bem. Mas a noite era dele, e fora da favela, todas as quartas-feiras. Ao menos ele achava que seria dele, já que eu o aguardava. Ele seria meu. Um homem tão poderoso quando é pego, há um sabor no ar que exala. Dizem que podemos sentir o seu medo quase que como matéria física. Eu sentiria naquele momento, só teria que aguardar.

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2 comentários:

  1. Ótimo texto. Ideias bem concatenadas e elos coesivos bem empregados.

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  2. Muito bom esse texto,não só pela narrativa bem trabalha e objetiva,mas principalmente pelo tema que abordaste,muito atual e relevante,que muitas vezes é esquecido pela sociedade.
    Parabéns.

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